In the Lives of Puppets: TJ Klune reconta Pinóquio em nova ficção científica

In the Lives of Puppets: TJ Klune reconta Pinóquio em nova ficção científica

Leia um trecho de In the Lives of Puppets, de TJ Klune, autor de Wolfsong: O Chamado, Além da Porta Sussurante e A casa no Mar Cerúleo

Numa antiga e solitária floresta, muito longe de quase tudo, havia uma curiosa habitação. Na base de um bosque de enormes árvores ficava uma pequena construção quadrada feita de tijolos, tomada por hera e musgo. A quem pertencia ninguém sabia, mas, pela aparência, parecia estar abandonada havia muito tempo. Até que um homem, chamado Giovanni Lawson (que, na verdade, não era homem coisa nenhuma), a encontrou enquanto atravessava a floresta e a construção passou a ser vista com algum propósito.

Ele estava diante da estranha descoberta, ouvindo canto dos pássaros nos galhos bem acima.

— O que é isto? — perguntou. — De onde você surgiu?

Ele entrou, cruzando com cautela a porta pendurada pelas dobradiças. As janelas estavam estilhaçadas. Grama e ervas daninhas cresciam através do deformado piso de madeira. O telhado havia cedido parcialmente, e o sol brilhava através de um monte de folhas que quase alcançava o teto. No topo do monte brotara uma flor dourada que se esticava através das vigas em direção ao sol.

— É perfeita — falou ele em voz alta, embora estivesse sozinho.

TJ Klune, autor de In the Lives of Puppets.
TJ Klune. Divulgação.

— Sim, vai servir muito bem. Que estranho. Que maravilhoso.

Giovanni voltou cedinho na manhã seguinte, com as mangas arregaçadas sobre os antebraços. Derrubou as paredes internas daquela construção solitária para criar uma sala única e grande, carregando gesso e madeira para fora, pedacinho por pedacinho, e empilhando-os no chão da floresta. Quando terminou, tinha o rosto e o cabelo cobertos de poeira, as juntas chiavam, mas estava feliz. O trabalho árduo era recompensador.

— Pronto — disse aos pássaros nas árvores ao limpar o rosto.

— Bem melhor. Um primeiro passo em direção a um recomeço.

A pequena construção logo passou a abrigar uma variedade de coisas: chapas de metal e metros de fios e cordas, baterias de todas as formas e tamanhos, placas de circuito e microchips em potes de vidro. Outros potes continham centenas de sementes de diversos formatos, tamanhos e cores. Havia velhas caixinhas de música que entoavam canções tristes e vitrolas silenciosas sem nenhum disco. Televisores, tanto grandes quanto pequenos, com telas escuras. E livros! Vários livros contemplando diversos temas, desde botânica até caça baleias, de animais silvestres a complexos diagramas de núcleos. Ocupavam prateleiras do chão ao teto, que ele construiu com os restos do que havia derrubado. Só quando colocou o último livro na última prateleira Giovanni percebeu que ele próprio não tinha onde ficar. O recinto estava cheio demais.

Não seria muito complicado expandir a habitação, acrescentando um ou dois cômodos. Mas Giovanni Lawson não costumava escolher o caminho mais fácil. Ele enxergava o mundo em formas e designs complexos e, quando olhou para o alto, para as árvores ao redor, soube o que faria. Não iria construir para os lados. Iria construir para cima.

In the Lives of Puppets, de TJ Klune.
Capa de In the Lives of Puppets, de TJ Klune.

Demorou, como sempre acontece nessas situações. Muitos anos se passaram. Tinha de ser perfeito. Era seguro entre as árvores, longe das luzes fortes e ofuscantes e da cacofonia da cidade que ele deixara para trás. Nos galhos das árvores acima da casa, fez uma pequena construção nova ao redor do tronco sólido do abeto mais alto, o verdadeiro rei da floresta. A partir dali construiu diversos outros cômodos nas árvores, todos conectados por pontes de corda — um laboratório e um solário, o telhado feito de vidro fumê arranhado, o piso de placas brilhantes de carvalho, sem paredes.

Futuramente o solário se tornaria algo diferente. A floresta era vasta e selvagem. Duvidava que alguém fosse capaz de encontrá-lo ali. Nos dias de sol, um rebanho de cervos pastava na grama abaixo dele, e os pássaros cantavam acima. Ele cantarolava, acompanhando a canção. Giovanni estava em paz. Em paz até o dia em que seu peito começou a doer.

— Nossa — disse. — Que sensação interessante. Está queimando.

Fez cálculos no laboratório. Digitou no teclado, o claque claque claque ecoando ao redor.

— Entendo — assentiu Giovanni, no 52º dia após sentir a dor no peito pela primeira vez. Ele encarou a tela, verificando os números. Era solidão, pura e simples. Números não mentem jamais.

Mais três anos se passaram. Três anos em que a dor no peito só se intensificou. Três anos de percepção silenciosa, de desejo de ouvir uma voz que não a sua. Observou pela janela do laboratório e viu que estava nevando, quando até o dia anterior a floresta vivia o auge do verão. Certo dia que começou como qualquer outro, duas pessoas irromperam das árvores com os olhos arregalados de pavor e a pele escorregadia de suor. Um homem e uma mulher. Ela agarrava um pacotinho de trapos contra o peito. Giovanni se assustou.

— Ajude-nos! — gritou a mulher. — Por favor, você tem de pegá-lo. Pegue e esconda-o. Não é seguro.

E então ela estendeu o pacotinho de trapos.

Só que não eram apenas trapos.

Enrolada ali dentro com firmeza havia uma criança.

Um menino que piscou lentamente para Giovanni antes de fazer uma careta e chorar.

— O que aconteceu? — perguntou Giovanni, olhando alarmado para a mulher. — Venham, venham. Vou mantê-los em segurança. Todos vocês.

Mas a mulher balançou a cabeça.

— Eles vão nos encontrar. — Lágrimas corriam por suas bochechas enquanto ela dava um passo para a frente, beijando a testa do bebê. — Eu te amo. Voltarei assim que puder.

O homem falou:

— Depressa. Eles estão vindo.

A mulher riu amargamente.

— Eu sei, eu sei. No fim das contas, eles sempre vêm.

O homem a pegou pela mão e a puxou para longe, longe, longe.

— Esperem! — Giovanni gritou para o casal. — O nome dele!

Mas já tinham ido.

Nunca mais viu alguém. Ninguém jamais apareceu à procura do homem e da mulher. Ou da criança. E ele nunca mais viu o casal.

Mais tarde, bem mais tarde, quando o menino estivesse crescido, Giovanni contaria que a mulher — sua mãe — não queria deixá-lo.

— Ela vai voltar — diria à criança. — Um dia, quando estiver tudo bem, ela vai voltar.

Até aquele momento, ele tinha desejado uma criança, e agora havia uma. Ah, que sorte! Que maravilha!

Giovanni levou um bom tempo para decidir uma designação para o bebê. Foi quando as folhas estavam mudando de verde para vermelho e dourado que encontrou uma perfeita.

— Victor — disse ao filho. — Seu nome será Victor. Victor Lawson. Que tal?

A solidão que ele sentira — imensa e profunda — foi afastada como se jamais tivesse existido.

Até aquele momento, ele tinha desejado uma criança, e agora havia uma. Ah, que sorte! Que maravilha!

Giovanni se preocupou quando Victor cresceu, cresceu e cresceu, mas ainda não falava. Sabia que Victor ouvia quando ele falava, conseguia enxergar o menino entendendo.

— Tem algum defeito na sua programação? — Giovanni perguntou ao menino quando a criança tinha quatro anos. — Cometi algum erro?

Victor não respondeu. Em vez disso ergueu os braços, abrindo e fechando as mãos, os dedinhos batendo nas palmas.

Giovanni fez o que lhe foi pedido. Ergueu Victor, abraçando-o gentilmente contra o peito. A criança emitiu um pequeno ruído que Giovanni interpretou como de alegria, seu rostinho pressionando o peito do homem.

— Não — disse Giovanni. — Você é exatamente como deve ser. Eu não devia ter questionado isso. Se existisse perfeição no mundo, seria você. — Seu peito doeu mais uma vez, mas por motivos totalmente diferentes. Giovanni não precisava calcular o que sentia agora. Sabia o que era.

Era amor.

E, apesar de Giovanni desejar mais que tudo que Victor falasse com ele, deixou para lá. Se tivesse de ser, seria.

Mais dois anos se passaram até que Victor dissesse algo pela primeira vez.

Os dois se encontravam no laboratório. Victor estava sentado no chão. Ao seu redor havia pequenas hastes metálicas. Giovanni levou um instante para reconhecer o formato em que Victor as montara. Dois bonecos de palitinho, um grande e outro pequeno, de mãos dadas. Soltou um grunhido e esticou o braço para brincar com as pernas deles.

Então o menino — Victor Lawson, filho de Giovanni Lawson — disse:

— Você. — Ele apontou para o boneco maior. — Eu. — O menor. Sua voz era baixa, áspera pela falta de uso. Mas estava ali.

— Sim — Giovanni respondeu baixinho. — Você e eu. Sempre.

LIVROS RELACIONADOS:

A Casa no Mar Cerúleo, de TJ Klune.
A Casa no Mar Cerúleo
Além da Porta Sussurrante, de TJ Klune.
Além da Porta Sussurrante
Wolfsong: o Chamado, de TJ Klune.
Wolfsong: O Chamado

Compartilhe

Mais posts

Rolar para cima